Wednesday, April 29, 2009

A Systems Theoretical Formal Logic for Category Theory

by
Carlos Pedro Gonçalves
Mathematics researcher at UNIDE-ISCTE
Maria Odete Madeira
Interdisciplinary researcher in philosophy of science and systems science
Abstract
A systems theoretical thinking on the categorial object and morphism is developed, leading to areflection on the philosophical and mathematical foundations of category theory, which allowsfor the introduction of a formal language for category theory and of a categorial calculus as amorphic web-based logical calculus. A formal system, built from such calculus, is proposed and the logical semantics is addressed. Both syntax and semantics are independent from set theory.
Keywords: System, object, morphism, morphic web, individuation, entity, identity, categories,n-categories
1. Introduction
"In the present work, we propose a systems theoretical approach to category theory, introducing a formal language (LCat) and a formal system (FCat′ ), that incorporate the main system theoretic foundations of the categorial object and morphism. The formal system is based upon a morphic web calculus that we call categorial calculus. Both the logical syntax and semantics of such calculus are addressed and shown to be independent from set theory, which makes the theory itself independent from set theory.
In section 2., we address the categorial object as a system, providing for the philosophical ground of the main work. In section 3., we introduce the formal language LCat and a formal system FCat1−6 that is able to address the simpler structures of category theory.
In section 4., we address the morphic wholes as systems, through the so-called border marker. This leads to a development of the identity laws into a more ontologically and systemically complete logic, that addresses both systemic individuation and identity. The formal system, developed in section 4., is called FCat′ and it is capable of dealing with category theory, n-category theory and a different class of structures that cross systemic levels, which are more complex hierarchical structures than the ones worked upon in n-category theory.
In section 5., we address the logical semantics. In section 6. we conclude with a few final remarks.

The Problem of Time in Quantum Cosmology


The Problem of Time in Quantum Cosmology
and Non-chronometric Temporality
by
Carlos Pedro Gonçalves
Mathematics researcher at UNIDE-ISCTE

Maria Odete Madeira
Interdisciplinary researcher in philosophy of science and systems science
mosmg.research@gmail.com (primary), mariaodete.sm@gmail.com
Abstract
"We review two lines of argument regarding the problem of time in quantum cosmology and in
quantum gravity, one that invokes the path integral formalism for quantum gravity to state the
absence of time between two three-geometries, and another that defends the absence of time, as
a fundamental notion in physics, in terms of: (a) the configuration space argument , put forward
by Barbour, Smolin and Kauffman, and (b) the Wheeler-DeWitt equation.

We argue that although being correct with respect to a space-time dependent physical
chronometrizable clock-time frame, both of these lines of argument fail with respect to a general
sense of temporality, expressed in terms of the more elementary notions of a before and an after
of a quantum computation.
With respect to the first line of argument, it is shown that the early works on the subject
address two kinds of temporalities, one that is the space-time geometric dependent temporality,
which coincides with the usual definition of a space-time dependent physical chronometrizable
clock-time frame, the other is a temporality associated to the notions of input and output of a
general quantum gravity computation, that is expressed, in the theoretical discourse of quantum
gravity, through the usage of the concepts of: (1) propagation of a wave functional in superspace,
as addressed by Wheeler; (2) transition amplitudes of three-geometries and (3) the pathintegral
formalism, used to calculate such amplitudes, as addressed by Hartle and Hawking.
While the first temporality (space-time dependent temporality) disappears from the theory, the
second plays a fundamental role, not only in the several aspects of the theory’s construction, but
in the clock-time independence as well, as Wheeler showed.
Given this notion of time, different from a chronometrizable, space-time geometry internal
notion, we search for a general mathematical and logical structure that is capable of addressing
it from a formal point of view. This is done through a family of mathematical structures that is
more general than the mathematical category. These structures not only will allow us to address
the nature of the temporality present in the transition amplitudes between two three-geometries, but they will also allow us to refute the configuration space argument and to show how a static clock-time-independent quantum state, can be put into a non-clock-time processual expression in terms of fine-grained computational histories, obtained from the relations between different observable’s bases."

Thursday, April 9, 2009

Nietzsche: excesso de real

Por: Maria Odete Madeira

“Eu, que sou filho da terra, sinto as doenças do Sol como se fossem eclipses meus e como dilúvios que submergem a alma”. Nem espírito, nem razão, nem pensamento, nem consciência, nem alma, nem querer, nem verdade, para Nietzsche, o Eu é uma certa espécie animal, uma individuação constituída por cadeias de forças múltiplas e articuladas entre si. Forças torrenciais jorrantes, cujo movimento de rotação se desloca incessantemente na direcção de outras forças, sobre as quais exercem a sua pressão, crescendo ou diminuindo, rizomando, conforme os trajectos e as trajectividades.

“O homem, grupo de átomos, absolutamente dependente, nos seus movimentos, de todas as forças cósmicas – da sua repartição, das suas modificações – é, não obstante, imprevisível e, como qualquer átomo, é um ser em si”, um território de fluxos de forças individuadas, cujas fronteiras estão criticamente situadas entre dois limites: o infinitamente grande e o infinitamente pequeno.

Como fluxo integrante do carácter do universo, simultaneamente uno e múltiplo, mutante e permanente, o homem conhece o universo, na medida em que se espanta consigo mesmo e com a sua complexidade. Nem substância, nem essência, para Nietzsche, o homem é, apenas, uma individuação de fluxos de forças em devir cósmico, “(…) Que nome darei à angústia das almas mais livres? A nostalgia sem fim, a questão mais dolorosa, a que mais me despedaça o coração, que a si mesmo pergunta: “Onde poderei eu sentir-me em casa?” ”.

Formado pela rotação aleatória de fragmentos, os restos e os resíduos do mundo orgânico em devir, Nietzsche procura, no devir de todas as coisas, o padrão trajectivo e perspectivo que sinaliza e localiza, em cada momento presente, a sua individuação, o seu território de forças individuadas, o qual pode ser interpretado como uma perspectiva combinatória e topológica do devir, na sua relação com o (co)devir de todas as individuações em permanente trânsito cósmico. “Eis o Outono e a farta colheita, o entardecer dos mares distantes! Mas é agora que necessito de transformar-me em pássaro e voar para longe de vós, para as regiões meridionais. É do seio do vosso Outono que eu vos anuncio o Inverno e uma pobreza gelada.”.

Cada combinatória é formada por fluxos de momentos de pontos vibratórios e efémeros, trajectivamente marcados por graus de forças em luta, constituindo a própria combinatória uma interpretação do território de forças em relação, em movimento, sinalizadora de um presente rotativo, permanentemente fragmentado em passado e futuro e em permanente retorno a si como fluxo renovado. Fluxo que deveio e é interpretado como outro presente, porque no devir, cada momento é uma individuação perspectivada do tempo, e assim uma singularidade. No devir, todas as coisas são aspectos, perspectivas e interpretações, em permanente deslocação rotativa.

A aparência é a forma como a realidade se constitui e pode ser percebida. Aquilo a que chamamos mundo verdadeiro, diz Nietzsche, não existe, o chamado mundo verdadeiro apenas pode ser concebido como uma réplica do mundo aparente. A aparência é o modo de ser das coisas, como coisas que existem, um modo adequado aos nossos instintos práticos. “O mundo é essencialmente um mundo de relações; visto de pontos diversos, apresenta outros tantos rostos diferentes; o seu ser é essencialmente diferente em cada ponto (…).”.

O perspectivismo é o carácter da aparência, os padrões que observamos e comparamos são configurados trajectivamente pelo deslocamento interactivo das forças. Cada padrão é uma interpretação do nosso movimento de rotação, segundo a perspectiva topológica passante e errante do nosso organismo. Não há neutralidade de lugares, todos os pontos de observação são perspectivas. “Não existe ser que seja outro ou verdadeiro, ou essencial – o que exprimiria um mundo sem acção ou reacção. A antinomia do mundo aparente e do mundo verdadeiro reduz-se à antinomia do mundo e do nada.”.

A unidade é uma perspectiva vibratória e fluida da multiplicidade, interpretada a partir de padrões marcados por forças tensionais interrelacionadas. “Se há alguma unidade em mim, ela não consiste certamente no meu eu consciente, no sentir, no querer, no pensar, ela está algures no saber global do meu organismo, ocupado em conservar-se, em assimilar, em eliminar, em vigiar o perigo, o meu eu consciente outra coisa não é do que o instrumento disso (…).”.

Os padrões, os ritmos, as harmonias são um exercício de prazer biológico das forças de acção/reacção que recusam, escolhem, modelam e adaptam os trajectos aos seus próprios instintos nutritivos. A assimilação de ordem, ou padrões, satisfaz aquilo que Nietzsche interpreta como a vontade orgânica de poder. A ordem, os padrões ou formas criadas e perspectivamente interpretadas são metabolizadas por fluxos de forças actuantes que alargam, assim, o seu espaço de dominação.

Cada padrão criado é um território, configurado por fluxos de forças individuadas. Qualquer corpo é perspectivamente uma forma, um padrão. As forças nutrem-se de outras forças. Para um instinto arquétipo como a vontade de poder, criar territórios é, também, criar nutrientes, importantes para o seu desejo de expansão e de domínio, “(…) qualquer corpo específico tende a tornar-se dominador de todo o espaço e a desdobrar a sua força (a sua vontade de poder) e a rechaçar tudo o que resiste à sua expansão. Mas ele embate incessantemente nos esforços análogos dos outros corpos e acaba por chegar a um compromisso (por se unir) com os que lhe são suficientemente análogos. Segue-se uma concertação de poderes, e o processo continua…”.

Instinto criador, nutritivo, dotado de apetite insaciável e rizomaticamente invasivo, assim é a vontade de poder Nietzscheana, presente no pensar, no sentir, no querer e no desejar. Todas as funções orgânicas podem ser conduzidas àquilo que Nietzsche considera como vontade fundamental, ou seja, a vontade de poder. "A vida não é a adaptação de condições internas às condições exteriores; ela é a vontade de poder que, partindo de dentro, submete e assimila uma parte crescente da realidade exterior.".

Geneticamente replicada pelo fluxo topológico, metabolizado diferencialmente pelo jogo territorial de pulsões e repulsões, a vontade de poder é, ela mesma, a diferença aleatoriamente criada, deslocada e individuada no território, actuando estimulada por um princípio genético de prazer. “Sendo verdade que a essência mais íntima do ser é a vontade de poder – e que todo o aumento de poder é prazer, como todo o sentimento de não poder resistir, de não poder dominar, é dor – não poderemos nós colocar o prazer e a dor como marcos cardinais? Será o querer possível sem essa dupla oscilação, do sim e do não”.

A realidade está, deste modo, associada ao prazer, mais real significa mais prazer. Assim, na raiz da vontade de poder, está presente o prazer como operador fundamental que compromete perspectivamente o prazer com a criação de real, sendo o prazer expresso pela excitação da sensação de poder, perante a oposição à mesma criação. A criação de real, dá-se, pois, a partir da acção/reacção trajectiva, efectiva e positiva da combinação do diferencial de forças que jogam em cada território individuado. “Mas quem sente então o prazer? E quem quer então o poder? Questão absurda, sendo o ser por si vontade de poder – portanto, sensação de prazer e de dor. Contudo ele necessita de contradições, de resistências – portanto de unidades que contendem com ele.”.

A vontade de poder interpreta, fixa e delimita perspectivamente os marcadores vibratórios e diferenciais (acção/reacção) de poder, correspondendo este movimento ao trajecto de assimilação, necessário ao crescimento genético do real perspectivo, ou seja, das formas, dos padrões, das linhas, cores, ritmos, esperanças, imaginações, orações e maldições que satisfarão a vontade de poder. “A vontade de poder só pode exprimir-se contra resistências; por isso ela procura aquilo que lhe resiste. É a tendência primitiva do protoplasma, quando estende os pseudópodes para tactear em redor. A apropriação e a assimilação consistem numa vontade de dominar o que fica no exterior, de dar-lhe forma, modelá-lo e transformá-lo – até que a substância vencida fique inteiramente sob o domínio do atacante e venha aumentá-lo.”.

Nietzsche territorializa a vontade de poder, dá-lhe mundo e chão, interpretando-a como a matéria viva primordial, aquela que constitui o corpo celular de todos os organismos vivos e que é dotada de uma propensão de mobilidade mecânica vital de acção/reacção, na raiz da qual está o prazer que se quer exceder e a dor que se quer libertar (um outro modo de se exceder), como catalisadores daquilo que se pretende como excesso transbordante de eclipses e dilúvios, ou de explosões contínuas de poder que subsistem devêm e decorrem. “Havia um imperador que pensava constantemente na instabilidade de todas as coisas, para que desse modo não pudesse atribuir-lhes demasiada importância e assim ficar em paz. Comigo a instabilidade produz um efeito bem diferente: tudo me parece infinitamente mais precioso exactamente porque tudo é fugidio. É como se os vinhos mais preciosos, os manjares mais apetecidos desde sempre fossem lançados ao mar…”.

Se os eclipses, dilúvios, vinhos preciosos e manjares podem ser interpretados, numa perspectiva de excesso de real, o movimento pelo qual tudo devém opera como um mecanismo de inflação desse excesso. Aquilo que é fugidio, que corre e flui, também diverge e transforma. Tudo parece infinitamente mais precioso porque tudo dá mais prazer e tudo dá mais prazer, quando tudo muda permanentemente de aspecto. No devir essa mudança é permanente. O devir faz com que o excesso transborde em mais excesso. Acrescenta mais valor nutritivo ao real e, assim, também, mais prazer e mais poder.

O retorno é a topologia do devir, o eterno retornar de todas as coisas, na, também, eterna transformação das suas formas, posições e rotações. “Nem num só momento o oxigénio é o que fora no momento precedente; é um corpo novo (…)”.

A permanente repetição da transformação do mundo em novas formas e ritmos aparece como uma necessidade nutritiva da vontade de poder. O devir de todas as coisas, em cada momento presente, constitui o excesso de real que alimenta a vida, considerada esta, por Nietzsche, como um instinto criador ou uma vontade de poder. “Qualquer instinto é uma espécie de ambição de dominar; segundo a nossa perspectiva (…)”.

Importa relevar a dinâmica criativa que o modelo interpretativo de Nietzsche propõe. Aquilo que é permanentemente recriado não é as próprias coisas ou a sua diferença relativa e irredutível, mas sim o diferencial rotativo, reconfigurado diferencialmente, em cada presente, pelo deslocamento trajectivo e divergente dos fluxos de forças que as constituem, o qual é interpretado, por Nietzsche, como um jogo aleatório, (acção/reacção), de perspectivas ramificadas que agem a partir do desejo (de prazer ou dor, vida ou morte, a vida, o protoplasma também se alimenta de morte). “A coexistência de duas coisas perfeitamente idênticas é impossível: isso pressuporia uma génese, absolutamente idêntica, de toda a eternidade (…) É possível demonstrar com uma só diversidade a absoluta diversidade e desigualdade de tudo o que coexiste, excluindo seja o que for. Quando uma coisa muda, a reacção fá-la diversificar de tudo.”
Quando as forças agem, ou se deslocam, fazem-no em redes entrelaçadas. Qualquer movimento de acção/reacção de uma força altera não apenas a sua própria trajectividade gravitacional, mas, também, em termos relativos e perspectivos, a de todas as outras forças que se deslocam em cada território.

O movimento de uma força condiciona diferencialmente o de todas as outras, o que significa que de momento a momento, num território de forças, são combinatoriamente criadas e deslocadas novas figuras, formas, ou padrões. “Num mundo em devir, em que está tudo condicionado, a hipótese do incondicionado, da substância do ser da coisa… só pode ser um erro.”.

A única constante num território de forças é, conforme Nietzsche, o devir, o qual aparece perspectivamente interpretado como o ser de todas as coisas, sendo o ser uma generalização do conceito de viver. Deste modo, o devir é o viver da vontade de poder, considerada, esta, como a matéria viva primordial ou o instinto criador, que cria aleatoriamente, porque cria no fluxo, no qual em cada momento tudo se mistura aleatoriamente.

Não importa que topologia de formas, ou padrões, ou, ainda, que perspectivas são criadas, porque aquilo que é importante é o próprio movimento de criar e a intensidade em graus de forças investidas no movimento de criação e assimiladas nutricionalmente pela vontade de poder como formas, ou padrões e, a partir das ou dos quais, podemos falar num aumento de poder, o qual será conforme aos graus de intensidade investidos pelas forças envolvidas, na criação dos respectivos padrões ou formas que configuram aquilo que nos aparece, parece e interpretamos e, por isso, chamamos, de acordo com o autor, realidade.

Nietzsche não parece preocupar-se com o rigor científico do modelo cosmológico no qual localiza e interpreta o devir. A sua grande questão é a de trabalhar o diferencial aleatório produzido pela repetição ramificada e divergente de todas as coisas, em cada momento presente, pois é precisamente esse diferencial que lhe permite combinar de novo os instintos e acrescentar real ao real e, deste modo, poder à vontade de poder.

Neste sentido, a eternidade, ela própria, aparece e parece um instinto desejante que investe no excesso nutritivo divergente de si mesma, por isso, a importância do devir permanente de todas as coisas. Apenas o permanente devir de tudo pode satisfazer um instinto desejante que existe eternamente. Com efeito, é o movimento de devir que faz emergir, por deslocação, o diferencial topológico e perspectivo, permanentemente recriado em cada recorrência, em que todas as coisas mudam de posições relativas. No limite, trata-se de dar uma volta estranha e criar o seu próprio limite topológico, ou seja, tornar-se no devir crítico, diferencial e auto-organizado de si.

A estrela de Sírius, uma aranha que passa, um pensamento, um momento presente e outro momento presente são tudo coisas que permanecem porque devêm, decorrem e retornam. “ Homem! Toda a tua vida é uma ampulheta, que circula e volta, e cujo conteúdo se escoará vezes sem fim, separado pelo intervalo de um longo minuto de tempo (…).”.

O mundo é o retorno do mundo, um monstro de força, uma soma fixa de força, em permanente devir, sem começo nem fim, “ um mar de forças tempestuosas e em perpétuo fluxo, eternamente pronto para mudar, eternamente pronto para refluir, com gigantescos períodos de regular retorno; com fluxo e refluxo nas formas”.

É no fluxo aleatório, turbulento e inseguro das forças que Nietzsche procura embriagar-se de excesso de real. A embriaguez é o excesso inflacionado que permite criar, acrescentar real ao real, satisfazendo, assim, a vontade de poder. É no movimento de criação que o desejo cresce, acelera, dilata e transborda, e a vontade de poder mais e melhor se alimenta. “Eis o meu universo dionisíaco, que eternamente se recria e se destrói a si mesmo; mundo este misterioso, de redobradas volúpias: o meu “para lá do bem e do mal”, sem fim, sem querer (…)”.

Dionísio é Nietzsche inflacionado, se ele mesmo pode ser interpretado, como excesso, a figura dionisíaca é o estímulo desejante que o põe em delírio exponenciado e que o arrasta para o núcleo do protoplasma que ele dá como exemplo interpretativo da vontade de poder. No protoplasma, Nietzsche é o protoplasma. “Onde está o raio que vos irá lamber com a sua chama? Onde está o delírio contra o qual será necessário inocular-vos? Vede, eu anuncio-vos o Super-humano. É ele esse raio, é ele esse delírio!”.

Nietzsche, a estrela dançante, é Dionísio, a imediatez e a espontaneidade a pulsão e o instinto que desafia Apolo. O criador precisa de outro criador. As forças actuam aos pares (acção/reacção). Nietzsche precisa de Apolo, juntos podem criar um emaranhamento crítico, genético e nutritivo, de topologia criadora.

Dois personagens e dois instintos, dois impulsos criativos carregados de desejo. Dionísio e Apolo desafiam-se e combinam-se como forças artísticas que brotam do seio da natureza sem a mediação da individuação humana, e em relação às quais todo o “artista” humano é um imitador que entra em delírio com o frémito dionisíaco, renunciando a si mesmo, para com o poder da força do sonho de Apolo entrar numa experiência de unidade e identificação com as forças primordiais e essenciais da vida. “Quero unir-me aos criadores, aos ceifeiros, aos que descansam só depois de cumprido o trabalho; mostrar-lhes-ei o arco-íris e todas as escadas que levam ao Super-humano”.

Unindo-se a Dionísio, Nietzsche metaboliza a força criativa primordial que lhe permite a experiência de dissolução no desejo da vontade de poder, e é precisamente essa dissolução que lhe permite, igualmente, no sonho apolíneo, unir-se à vontade de poder e inflacionar a sua individuação, o seu território, ele é Zaratustra, o excesso alucinatório metabolicamente sintetizado e sublimado.

Zaratustra é Nietzsche criado por Nietzsche, a obra de arte que irrompeu um dia, de súbito, como fluxo individuado. Um território de forças em permanente devir, oferecido à humanidade como o mais belo e trágico presente alguma vez concedido. “Venerais-me: mas, que acontecerá se um dia a vossa veneração esmorecer? Tende cuidado, não vos mate uma estátua! Agora, intimo-vos a perder-me e a encontrar-vos; e só quando todos me tiverdes renegado, é que retornarei para o meio de vós…”.

Nietzsche metaboliza Nietzsche, a sua obra metafisicamente criada, como o objecto de prazer embriagante que diviniza a sua existência que sabemos ser sofredora. A embriaguez estimula os seus instintos estéticos. Nietzsche metabolizado é Dionísio, e é Zaratustra divinizado e imortalizado. A força do prazer e a força da dor, combinadas, sintetizam o excesso inquietante que o configura e que alimenta a sua devoradora vontade de poder. “«Devo ser mais sábio! Devo ser pura sabedoria. Como a minha serpente (…) Peço, porém, o impossível; pedirei, pois, que a minha altivez caminhe sempre a par da minha Sabedoria (…) E se um dia a minha Sabedoria me abandonar – ai agrada-lhe tanto fugir! – possa então a minha Altivez voar com a minha Loucura!»”.

Nietzsche introduziu, no seu território de forças individuadas, a sua diferença metafísica e arquetípica, rotativamente contrária à espécie dos homens. O fluxo do seu próprio devir tornou-se poderoso e excessivo, desterritorializando quaisquer mecanismos de controlo homeostático. A percepção de si mesmo, como diferença individuada, estimulou a sua vontade de poder para além do seu limite crítico suportável. “O que hoje sou, o lugar em que hoje me encontro – numa altura em que já não falo com palavras mas com relâmpagos (…)”.

As trocas de energia passaram a ser feitas, através dos reenvios entre duas topologias rotativas num mesmo território individuado, os de Nietzsche e os da sua diferença metafísica. Outras trocas de energia tornaram-se meramente residuais. O território, inicialmente aberto, do autor, fechou-se a outros territórios. As duas rotações, física e metafísica, começaram a tecer um emaranhado de forças cada vez mais denso que as localizou e interpretou como uma nova singularidade, uma nova identidade sistémica que reivindicou para si a imortalidade do artista, aquele que no presente fecunda o passado e gera o futuro. “Na previsão de que em breve terei de surgir perante a humanidade com a mais difícil exigência que se lhe fez, parece-me indispensável dizer quem sou. No fundo, todos o deviam saber: com efeito, não deixei de dar testemunho de mim.”.

Dionísio ou a rotação genética do arquétipo, replicada em Zaratustra e em Nietzsche sofredor na multidão, alimentando-se das suas próprias chamas. Nietzsche, o amor fati, mas o amor de um destino metafisicamente projectado pelos ritos dos fluxos e refluxos das forças de vida, de loucura e de morte que actuavam no seu território individuado e que repetiam o movimento rotativo de uma vontade de poder, cujos marcadores topológicos formavam um emaranhamento de reenvios rizomáticos, uma coreografia ritualizante que arrastava Nietzsche para lá de uma topologia, apenas, humana.

O humano era a disformidade, a náusea, a pedra monstruosa que precisava do escultor sobre-humano, ou seja, ele próprio, o super-homem anunciado por Zaratustra, o instinto arquetípico, o desejo de desejar, a fome devoradora na saciedade liberta de deus e de deuses, criada pela sua natureza dionisíaca e deslocada no fluxo como a sua diferença metafísica, tensionalmente fragmentada e reconfigurada no fluxo do devir.

O delírio rítmico e protoplásmico, ritualizado no território Nietzscheano, projectou um vórtice de emaranhamentos topológicos disjuntivos e perspectivos. Fragmentos físicos e metafísicos são permanentemente deslocados como nutrientes alucinatoriamente desejados. “Destroços de astros: Destes destroços construí um mundo”.

Nietzsche investiu toda a sua cota libidinal disponível na sua aparência territorial metafísica, com a qual se emaranhou devindo paradoxo rizomatizado e embriagado de potência de criar, embriagado de excesso de perspectiva, aquele que havia de ensinar aos homens o sentido da sua existência, o relâmpago que devia jorrar da sombria nuvem humana.

A sua loucura é uma interpretação do seu campo potencial de forças, externalizado numa topologia de intervalo entre duas fronteiras, a de Nietzsche humano e a de Nietzsche sobre-humano. “Com efeito, trago sobre os ombros o destino da humanidade.”. Uma zona de excesso de fluxo intenso, território de paradoxo, individuação sem rosto que vive na sua própria luz e que reabsorve em si as chamas que de si brotam. Nietzsche, o louco vivo, combinatoriamente quantizado pela metabolização das forças de Dionísio, de Apolo, de Zaratustra e de si mesmo, devém fogo cósmico criador. Aquele fogo grego primordial que sempre existiu e sempre há-de existir.

Finalmente, Nietzsche, a natureza contrária à espécie dos homens, podia sentir-se em casa. “Que se passa? É o mar que cai? Não, é a minha terra que cresce! Um fogo novo a Levanta!”. Amor fati, singularidade e fatalidade projectada. Esquecido da compaixão de si. Só Louco! Só Poeta!


Bibliografia:


Nietzsche, A Origem da Tragédia.
Nietzsche, A Vontade de Poder, vol. I, II, III.
Nietzsche, Assim Falava Zaratustra.
Nietzsche, Ecce Homo.
Nietzsche, Para
Além de Bem e Mal.
Nietzsche, Poemas.